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André Albuquerque, 33 anos, Arquitecto, Escritório de Arquitectura POLIGONO
O nome de um arquitecto é uma armadilha. A realização do trabalho só é possível pela existência do colectivo.

André
Albuquerque

33 anos
Arquitecto

O nosso escritório presta serviços de consultadoria, arquitectura, construção, design, mobiliário, financiamento e gestão. Os elementos permanentes – eu, o Pedro Snow (com quem fundei a POLIGONO em Lisboa), a Marta Leitão, a Raquel Ferreira e o Tomás Salles – foram todos formados pelo Instituto Superior Técnico, o que nos deu pernas para correr. Mas só nos conhecemos muito recentemente porque há uma certa diferença de idades entre todos: eu com 33, a Raquel com 27, o Pedro, a Marta e o Tomás com 24. Os nossos clientes não recorreriam a cinco arquitectos no sentido estrito do que pode significar a profissão. Existe um trabalho colectivo com base na responsabilização individual e numa vinculação efectiva à produção dos serviços que nos comprometemos a prestar.

Estive muitos anos em Madrid em diversos escritórios, onde se trabalhava com margens de lucro completamente irreais, era um embuste. Faziam-se casas para promotores e não para pessoas. Nunca se sabia muito bem para quem. E afinal não era mesmo para ninguém: as pessoas compravam não como direito à sua própria habitação mas como mero produto financeiro. Um produto que trazia rendibilidades de 10, 20, 30 por cento ao ano. Um embuste que permitia que todos os intervenientes do processo (consultadoria, arquitectura, construção, design, mobiliário e os próprios clientes) andassem alegremente de Mercedes, conquanto a qualidade, oportunidade e necessidade dos objectos que lhes permitiam obter o dito Mercedes fossem manifestamente abjectas.

Estalou a “borbuja” e uma maioria de nós começou a perder o emprego. Eu não perdi o meu, mas desidentificado com tudo aquilo, bati com a porta em busca de um novo sentido para tudo o que tinha aprendido na escola.

Em Dezembro de 2008, participei num processo de ocupação e autogestão de um espaço urbano de cerca de 1700 metros quadrados, disponível e desocupado há três décadas, juntamente com outros operários que vinham da arquitectura, das ciências do ambiente, das belas-artes, do desenho industrial, da biologia. Conversas com pessoas do bairro onde se localizava o lugar fizeram-nos compreender como se sentia a necessidade de um espaço verde, um espaço de encontro para fazer desporto, organizar eventos culturais, organizar parcelas de terra para culturas várias, trocar objectos e tempo. Foi construída uma horta, jardim, um campo de jogos, um mercado e um teatro ao ar livre, através de estruturas temporárias, usando e reciclando materiais do lugar. Após vários meses de luta com as autoridades municipais, um movimento de cidadania conseguiu criar a primeira praça urbana autogerida de Madrid. Numa primeira fase, a câmara queria insistentemente que abandonássemos o local mas, a certa altura, o processo inverteu-se e fomos finalmente recebidos na câmara, cujos responsáveis nos perguntaram: mas o que é que vocês afinal querem? Algumas pessoas que estavam comigo queriam que eu estivesse calado – afinal, estávamos a conseguir o que pretendíamos, um reconhecimento de que podíamos estar ali – mas o que eu queria realmente saber era: a partir de que momento é que começámos a ter direito ao espaço? Qual foi a atitude a partir da qual ganhámos a legitimidade da ocupação? Qual é o precedente que legitima que outros daqui para a frente façam o mesmo? E responderam-me, na verdade, invocando procedimentos formais e alegando metodologias para chegar mais ou menos aos mesmos resultados que nós tínhamos conseguido por outras vias. Desde esse precedente, foram criadas dezenas de outras parcelas urbanas autogeridas em Madrid.

O que é que eu desenhei neste processo? Zero. A minha participação deu-se de outra forma, uma intervenção cívica básica. O desenho não é o mais importante. Quero dizer: o desenho importa mas a repercussão da nossa acção levou a inúmeros outros desenhos de outras praças que eu, sozinho, jamais poderia ter alcançado.

Mais tarde, em Janeiro de 2010, encontrei em pleno centro de Madrid uma enorme casa, realmente barata ainda que brutalmente destruída. Era uma boa ocasião para pelo menos começar a gastar menos do que os 650 euros que pagava por apenas um quarto. Falei com um par de amigos e tive um número igual de “tampas”. Decidi avançar sozinho. Foi preciso arranjar um capital inicial para investir e transformar o espaço. Não tinha poupado quase nenhum dinheiro, por isso entendi que teria de ir faseando os pagamentos e consequentemente faseando as obras. Fui viver um ano para um estaleiro. Numa ocasião, organizámos uma festa, com muita comida e bebida à disposição, cujo desafio era pintar todas as divisões da casa. Foi um êxito. Entretanto os amigos começaram a juntar- se e a alugar quartos e com o dinheiro acumulado começámos paulatinamente a reconstruir partes mais substanciais do nosso conforto: mobiliário, cozinha, pintura decorativa, camas, etc., foi tudo construído por nós, aproveitando restos de velhas construções abandonadas. Foi um forte investimento de dinheiro, esforço e compromisso findo o qual a cada mês passado, o esforço feito era mais compensador. Assim comecei por aprender a “atrever-me” e a gerir processos. A fasear pagamentos. Um simulacro de uma nova maneira de fazer arquitectura.

Depois, no decurso da crise galopante, fui vendo amigos e colegas altamente qualificados a deixarem a capital para irem para Santiago de Compostela, Almería, Bilbau, etc., sem com isso perderem a ligação com Madrid ou com qualquer dos seus clientes. E foi aí que comecei a matutar um regresso a Lisboa ao mesmo tempo que ia entendendo como Lisboa era altamente competitiva. Eu adoro Lisboa. Ontem [um dia do mês de junho] estive na praia e pouco tempo depois estava em Lisboa. É um equilíbrio perfeito. Tenho a minha rede de amigos e familiares aqui. O meu património está aqui. As minhas raízes. A minha terra. Dêem-me a escolher entre 700 hectares na Bulgária ou dois em Grândola e eu sei com quais me quedo.

Um dia, ainda em Madrid, vi um secretário de estado português a convencer os jovens a sair da sua zona de conforto. Eu não admito que me digam que tenho de sair da minha zona de conforto e que se convoque uma geração inteira para se ir embora. E tenho a experiência de ser emigrante. No dia seguinte já cá estava. Em Lisboa.

A nossa experiência assenta em várias premissas. Somos arquitectos, sabemos desenhar mas não se trata só de desenhar. É preciso olhar para o cliente, saber calcular com ele quanto custa uma intervenção. Acreditamos que a arquitectura pode servir as pessoas em diversas situações e ir ao encontro das suas aspirações e pensamos na nossa prática como parte da solução.

Há um mercado fechado para os arquitectos e não há ninguém a dizer quanto custa verdadeiramente um serviço. Eu quero o serviço que posso pagar. Quero dizer com verdade quando custa esse serviço. Quero ser mais um parceiro do cliente do que um prestador de serviços.

Portugal pode não ter dinheiro mas tem muito património. É o país da Europa com mais metros quadrados construídos por habitante e o que despende uma parcela mais significativa das suas poupanças familiares na manutenção do seu património construído. Ainda assim, a actividade arquitectónica é economicamente insolvente, sempre que desaparece o megacliente.

É também por estas considerações que cremos que a nossa aposta na reabilitação faz sentido. Mas que reabilitação? A que preço? Com que objectivos? A maioria das reabilitações contempla uma alteração de tal ordem do estado inicial que as pessoas que lá viviam (mal) são obrigadas a sair para dar lugar às que podem agora pagar por este produto reabilitado muito mais caro. É uma reabilitação que inevitavelmente implica um processo de gentrificação.

Que reabilitação é essa? Quando se faz reabilitação, na maior parte das vezes é para demolir o interior do prédio integralmente mantendo apenas a fachada. Que reabilitação é essa? Se o país não tem dinheiro, por que razão se opta por soluções destas? Por que razão os arquitectos se demitem de colocar estas questões neste tipo de processos? Por que depende a actividade do arquitecto de servir apenas uns poucos, descurando o património construído da maioria?

A arquitectura tem a ver com a vida das pessoas, é um acompanhamento de processos. É preciso ler a vida, o mundo. Significa que temos de ser hábeis e estratégicos para o fazer. Sabemos que a maior parte das pessoas não terá dinheiro para fazer uma reabilitação mas acreditamos, implantamos e executamos estratégias para as obras que estas pessoas necessitam.

Um proprietário que tem uma casa com 130 metros quadrados em Lisboa e que quer fazer obras de renovação, muitas das vezes, não tem dinheiro para as executar. Que resposta temos nós, como arquitectos?

Talvez seja a de considerar um investimento inicial, suficiente para permitir que o proprietário alugue parte da casa e comece a ter rendimentos que lhe permitam continuar a planear e a executar essa reabilitação. Todo o planeamento e acompanhamento podem fazer parte dos serviços prestados. Segundo parece os romanos só vendiam uma casa ao fim de certo tempo de ela estar construída, para ter a certeza que o comportamento dos materiais estava de acordo com o exigido. Nós compramos uma casa e passado pouco tempo começamos a ter problemas. Que construção é esta, onde está a responsabilidade? Como é que transformamos este estado de coisas? Nós, como arquitectos, sentimos que temos de acompanhar o cliente em toda esta viagem, desde a detecção do problema e das dificuldades até à entrega de um produto sustentável.

Quando falamos desta nossa arquitectura de consultoria, queremos falar de um conjunto grande de situações conformes às necessidades dos clientes: mudar a cara de um apartamento; pensar como atrair público para uma casa de praia ou para uma antiga casa agrícola; eliminar os custos de manutenção de uma quinta para poder rendibilizá-la; transformar as actividades da casa de um antigo clube; fazer um anúncio para alugar uma casa. Significa, para nós, perceber o que está em causa; definir um processo de financiamento correcto – isto é, idóneo, ético –, pensar na gestão futura da intervenção realizada. Um pensamento sobre como fazer um anteprojecto, perceber se vamos fazer o projecto de execução, até que ponto o projecto implica desenho (todos os pormenores? Alguns em particular?), a quem interessa, a quem se destina, que necessidades estão em causa. Depois, fazer a execução ou o acompanhamento da obra e calcular quanto tempo de trabalho está implicado em todas estas fases para que o cálculo dos honorários seja razoável.

Um dos nossos clientes-tipo, se posso falar assim, tem uma casa na cidade e outra no campo. Está a perder dinheiro com essa segunda habitação. O que propomos é pensar com os clientes formas de transformar essa situação. Dar-lhe soluções e executá-las.

Em 2011, fizemos uma intervenção em Torres Vedras, num antigo celeiro. O desafio era o de transformar antigas instalações agrícolas e vitivinícolas numa expansão da casa para uma família alargada, onde amigos pudessem juntar-se a avós, pais e crianças. Tivemos de estudar as possibilidades de construção de um espaço que fosse viável para uma família cujos membros aumentaram ao longo do tempo, com um investimento razoável e que não esquecesse os custos futuros de manutenção.

Estudámos cinco soluções (ao nível dos custos de investimento, sensibilidades e expectativas de cada membro da família, tempos de execução, etc.) e executámos.

O quer quero dizer é que existem sempre estas situações em que as pessoas têm pouco dinheiro e necessidade de fazer transformações nos seus espaços, quer por razões meramente de recuperação dos imóveis, quer porque desejam rendibilizá-los e assim poderem, ao mesmo tempo, arranjar meios de continuar a fazer a sua manutenção. Vemo-nos como elementos capazes de desbloquear esses processos.

O que percebemos quando se pensa o processo? Que somos construtores, somos pedreiros. Primeiro, por prazer, pelo prazer de pôr mãos à obra. Pelo passado comum de ter passado momentos felizes na infância, nos quais nos dedicámos ao habitar, à construção de um lugar, do modo como as crianças constroem lugares: túneis na praia, casas na árvore, abrigos debaixo da cama, estruturas instáveis com móveis lá de casa, etc.

Depois, porque delegar esta ideia de construção não nos parece que faça sentido (afinal arquitectura é construção) ou apenas faz sentido quando verdadeiramente estamos assoberbados de trabalho.

Para combater isso, temos um leque muito grande de colaboradores e voluntários, aos quais vamos buscar competências como a pintura decorativa. Esboçamos o mobiliário que mais convém a cada situação, a maior parte das vezes construímo-lo nós próprios.

Não sabes como construir? Podes vir ter connosco e aprender. Areia, água, cimento e tijolo – essa forma inteligente e básica que desde tempos imemoriais foi feita para caber numa mão enquanto a outra aplica a massa ligante.

Entretanto, olhamos para o nosso percurso e vemos como o nosso volume de trabalho tem continuamente crescido pelo que estamos agora em processo de entendimento e análise sobre como podemos expandir esta metodologia a uma dezena de projectos paralelos. Estamos a ver como crescer a partir daqui. Sabemos apenas algumas coisas de que não abdicamos: do contacto estreito e de um absoluto compromisso com as pessoas, com a sua história e o seu património. Temos uma formação de carácter iluminista, uma ética e um compromisso social.

Não é tanto isso de que a arquitectura traga o bem às pessoas. É mais o de dar um sentido à nossa própria vida. Acreditar no que se faz e falar verdade. Não estou no meio de um sonho ingénuo. Existe um permanente questionar do processo. Se podemos não ter custos fixos, não temos. Cada projecto precisa tornar-se rendível por si. Se não for, temos de encontrar nele um valor social, uma ideia de marketing, o que for.

André Albuquerque participou na Mostra Extra da temporada 2 (8 de maio de 2012), no Lux-Frágil.

Quero trabalhar com pessoas com nervo, com aquele entusiasmo que não tem nada a ver com a idade. Quem vai com vai sempre melhor do que quem vai contra. As pessoas costumam repetir aquela ideia batida, 99 por cento de trabalho, um por cento de inspiração. Pois eu acho que é 49 por cento de trabalho, um por cento de inspiração e 50 por cento de resiliência, de perseverança.
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