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Anísio Franco, 49 anos, Historiador de arte, conservador do Museu Nacional de Arte Antiga

Anísio Franco

49 anos
Historiador de arte

Não tenho uma ideia clara da altura em que comecei a gostar destas áreas do património cultural. Lembro-me que, em pequeno, aí pela quarta classe, decidi que ia estudar história. E como sei que sou preguiçoso nunca estudei a sério senão história.

Nas outras disciplinas, trabalhava apenas o suficiente. E descobri cedo uma vocação para as questões históricas.

Cerca dos 10, 11 anos comecei a percorrer intensamente Lisboa. Isso começou quando a minha família me deu um passe para os transportes, deixou-me em Belém e disse-me que tinha de descobrir como voltar para casa. Por essa altura, juntamente com um amigo, comecei a fazer passeios de domingo por Lisboa – mal sabia que, mais tarde, em finais dos anos 80 do século XX, iria participar nos “Passeios de Domingo” que a equipa do Centro Nacional de Cultura, liderada por Helena Vaz da Silva, tinha começado a desenhar nos anos 70 e que incluíam actividades como viagens, cursos ou edições, destinados a um público variado.

As conferências organizadas pelo professor e historiador da arte Manuel Pedro do Rio-Carvalho na Fundação Calouste Gulbenkian – que, de resto, organizava também visitas a exposições, museus e passeios por Lisboa – foram decisivas. Foi em grande parte por causa delas que decidi que ia estudar história de arte.

As minhas digressões por Lisboa possibilitaram-me fazer um inventário sistemático dos museus que ia vendo e, quando já os tinha visitado todos, comecei a tentar ver outras coisas, algumas menos acessíveis e menos óbvias. Havia uma curiosidade que fomentava, tentar ver o que nunca tinha visto antes. E comportar- -me como se fosse estrangeiro na minha terra. Ou seja, visitar aqueles lugares que nós nunca visitamos porque estamos cá, visitá-los como se estivesse em Paris ou em Roma, com aquela ideia de as coisas não nos poderem escapar por não podermos voltar aos lugares.

Com o correr dos anos, estas visitas tornaram-se mais detalhadas e, à medida que foram realizadas, aumentaram o nível de curiosidade e levaram-me a lugares de uma beleza inusitada. Lisboa e Roma têm um mesmo sentido delicioso das cidades muito orgânicas em que, após uma esquina, há sempre uma surpresa por descobrir. Um pouco ao contrário das cidades de traçado hipodâmico, com as suas ruas rectilíneas.

As cidades orgânicas são, também, um compósito de camadas de história sucessivas, uma sobreposição de ocupações as mais diferentes no tempo e no espaço com milénios de história. Lisboa agrada-me muito por causa de tudo isto.

Para mim, todas as cidades do mundo são as minhas cidades mas em Lisboa acontece que cada esquina tem um pouco da minha vida. Sei que se me acontecer algum imprevisto, há pessoas amigas por perto, uma âncora segura.

À medida que os anos foram passando, vi alguns museus desaparecerem e outros nascerem. Comecei a catalogar os museus que conhecia em miúdo e os museus que agora existem. No meu imaginário, os museus eram um lugar seguro – agora, alguns já não existem. Espero que não soe a saudosismo mas há transformações difíceis de aceitar, aquelas que têm a ver com coisas a desaparecer; outras transformações, por seu turno, vieram proporcionar que Lisboa continuasse a ser circulável, como a construção de grandes vias de distribuição de tráfego.

O que é verdadeiramente ter uma imagem da cidade? Uma das principais tarefas do museólogo é legar às gerações futuras o património que foi recebido através das gerações precedentes, se possível melhor conservado. Somos [os museólogos, os conservadores] guardiães do património. O museu é, em princípio, um lugar seguro, embora existam sempre as contingências dos desastres naturais que os podem afectar e aos seus acervos.

Património é a ideia de legar aos vindouros o que foi dos nossos pais. Relaciono o que estou a dizer com a identidade do país, com a nossa identidade. E sou europeísta, acho que já devíamos ser governados há muito por uma outra “Tróica” qualquer talvez a partir da capital do império, Roma. Esta ideia de identidade está a bulir com a questão da permanente massificação cultural que os média operam. São superficiais, têm uma cultura de imagens sobreponíveis.

A Europa é um grande território turístico, visitável e compreensível na sua diversidade, pois a civilização ocidental é essa grande soma de valores no caminho para a realização de um homem mais perfeito. Existe um turismo a aumentar, de gente interessada, culta, com tempo. Falo de um turismo sénior, pois o aumento da esperança de vida potencia a existência dessas pessoas, que ainda foram educadas para se reconhecerem no seu património e que são seduzidas por ele. É um turismo diferente do turismo de massas. Requer um tempo mais longo, pois as pessoas preferem visitar dois sítios demoradamente do que 10 à pressa. É preciso tempo para saborear e a delícia maior é saborear.

Mas também considero que a cidade está na moda e isso é perigoso, é o pior que pode haver, visto a moda ser passageira. Essas pessoas têm uma grande disponibilidade para as visitas a museus e para percorrer as paisagens que existem entre eles. Os passeios integram essa componente de paisagem. Estou a lembrar-me de várias visitas que fiz à zona oriental de Lisboa, chamando a atenção para as cores que nos apareciam, uma paisagem como se fosse uma enorme pintura.

Infelizmente há um desastre paisagístico da zona litoral para norte do país, é uma rua contínua até Valença do Minho. Suponho que ninguém quer viver nessa rua.

Anísio Franco participou numa conversa sobre Turismo e lazer de recreio (6 de novembro de 2012) integrada temporada 3 – Turismo & Arquitectura. Fez uma visita guiada, em Lisboa, integrada na mesma temporada, ao Panteão Nacional, no Campo de Santa Clara, à sala dos gessos do Museu Militar na antiga Fundição de Cima, ao Hospital da Marinha, construído no local do antigo Colégio de S. Francisco Xavier, terminando no Museu Militar em Santa Apolónia (27 de janeiro de 2013).

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