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Luís de Menezes Leitão, 49 anos, Advogado, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários

Luís de Menezes Leitão

49 anos
Advogado

A actividade dos arquitectos é essencial aos processos de reabilitação patrimonial. Talvez não se recorra tanto quanto seria desejável a estes profissionais por causa dos condicionamentos, uns provocados pela situação de penúria, outros por vários aspectos legislativos que condicionam a própria intervenção no edificado. Normalmente, proprietários que quereriam reabilitar prédios recorreriam a arquitectos.

Como é evidente, a questão do congelamento da lei das rendas, que durou cem anos, é essencial. Deixou os proprietários descapitalizados. Já há quem diga que a lei do arrendamento fez mais pelo mercado do que toda a legislação publicada em décadas. Como se não bastasse este historial, o governo resolveu lançar um imposto absurdo de selo sobre os imóveis denominados de luxo – em relação ao qual solicitámos ao provedor de Justiça a análise da respectiva constitucionalidade – e o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) disparou para valores absolutamente insustentáveis como resultado de avaliações feitas para serem dificilmente contestadas mas que têm em conta apenas aspectos parcelares (a localização, por exemplo) em detrimento de outros que poderiam ocasionar ponderações completamente diferentes e que não têm em conta o efectivo valor patrimonial.

Relembro que muitos dos imóveis que necessitam de reabilitação foram comprados, noutra época, como se constituíssem uma espécie de segurança social para os seus proprietários. Esse investimento não só não pôde ser rendibilizado como os detentores dos imóveis foram vendo o seu poder aquisitivo ser perdido e a sua capacidade de intervenção tornar-se muito limitada. Já o disse também: muitos dos imóveis atingidos por estas medidas têm as rendas congeladas. Trata-se de uma situação explosiva para os proprietários.

Investidores estrangeiros pesam uma e outra vezes como operar num mundo de tributação excessiva, de grande desincentivo ao desenvolvimento do sector imobiliário e de garantia zero. Sente-se uma grande desconfiança dos agentes económicos num sistema que acorda com legislação nova diariamente e uma instabilidade enorme. Está tudo em causa, todos os dias. Vejo isso com grande preocupação, navegamos no meio de normas claramente inconstitucionais. As leis devem ser ponderadas, é por isso que são feitas e aprovadas em contexto colegial. Não me lembro de outra situação comparável, no regime democrático e em situação de os direitos fundamentais serem tutelados, senão a do PREC (Processo Revolucionário em Curso, 1974-76). Existe, como existiu quase sempre, esta cultura de aprovar legislação sem ouvir as entidades que representam os diversos interesses em campo. Os vários sectores não são ouvidos.

Criou-se um grande mito em torno da reabilitação urbana, onde há muita conversa e pouca efectividade das medidas tão anunciadas quanto inócuas, pois é preciso haver dinheiro para investir e haver quem invista. A Câmara Municipal de Lisboa criou um estado de sítio urbanístico, com uma definição gigantesca da área de reabilitação urbana (aprovada em 2012) que, na verdade, se estende a quase toda a cidade. Numa versão preliminar, até a área da Expo estava incluída. Está lá tudo, menos cemitérios, alguns equipamentos e áreas recentemente infraestruturadas e consolidadas. De facto, a definição é extensa: “As áreas de reabilitação urbana incidem sobre espaços urbanos que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infra-estruturas urbanas, dos equipamentos ou dos espaços urbanos e verdes de utilização colectiva, justifiquem uma intervenção integrada. As áreas de reabilitação urbana podem abranger, designadamente, áreas e centros históricos, património cultural imóvel classificado ou em vias de classificação e respectivas zonas de protecção, áreas urbanas degradadas ou zonas urbanas consolidadas.” Mas apesar de lá caber tudo, apenas em Lisboa se verifica esta situação de quase toda a cidade ser abrangida. E a grande proprietária é a autarquia, como se sabe. Em Almada e no Barreiro, houve algumas áreas extensas delimitadas mas tratava-se de casos em que a degradação das respectivas zonas tinha algum significado e foram casos pontuais. Contestámos essa delimitação risível em tribunal, a acção está a decorrer. É como se tivéssemos uma ampla área extremamente degradada, como se vivêssemos por entre escombros. Basta pensar nas Avenidas Novas. Que tipo de reabilitação extensiva elas estão a necessitar? É absurdo e contraproducente.

Acho que as pessoas ainda não se aperceberam mas o IMI vai ser pago em três prestações, em grande parte dos casos, e as pessoas não vão conseguir pagar as últimas prestações. A cláusula de salvaguarda ainda contemporiza esta situação mas é por pouco tempo. Existe uma preocupante transferência de propriedade dos proprietários para as entidades bancárias, que vai ser gravemente agravada pela tributação do IMI. As isenções e deduções à colecta foram abolidas. Os imóveis são colocados no mercado a preços muito abaixo do seu valor, sem que isso represente qualquer ideia de regeneração do tecido urbano até porque os bancos não concedem crédito.

Luís de Menezes Leitão participou na tertúlia sobre reabilitação legislativa (temporada 2), a 26 de janeiro de 2012, na biblioteca da Ordem dos Arquitectos.

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