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Paulo Martins Barata, 48 anos, Arquitecto, Promontorio

Paulo Martins Barata

48 anos
Arquitecto

O conceito de Arquitectura Portuguesa nos moldes em que foi concebido é extremamente auto-referenciado. Noto nos portugueses uma necessidade de exacerbar um nacionalismo, que não vejo noutros países.

É verdade que as publicações falam, em torrente, dos arquitectos portugueses e da arquitectura nacional. Porém, tudo isso é relativamente irrelevante quando se trata de internacionalizar o negócio. Diria que esse mantra do publishing cria uma ilusão entre uma prática real de venda de serviços e uma certa celebração da arquitectura de autor, que é muito difícil exportar quando não tem uma vertente corporativa associada. Os jornalistas deviam fazer um exercício de abstinência na publicitação dos prémios. Esta celebração é o contrário de um trabalho persistente, continuado e actuante da internacionalização; é começar logo pelo lado do elogio e do glamour. E é certamente frustrante verificar que os prémios, as publicações e as conferências não se materializam em encomendas concretas, e que tudo não passa de uma espécie de you’ll scratch my back and I’ll scratch yours. Falta, parece-me, a perspectiva crítica de entender qual a eficácia desse tipo de acções. Já chegámos todos à conclusão que grande parte da comunicação de arquitectura é para consumo interno e não uma reflexão minimamente objectiva do que se conseguiu atingir. Um dia destes, tal como aconteceu no Ticino no final dos anos noventa, o mundo cansa-se de dar prémios à Arquitectura Portuguesa e a cápsula mediática em que vive, pura e simplesmente desaparece.

Nos últimos 20 anos a profissionalização da arquitectura portuguesa foi moldada para responder a um conjunto específico de solicitações do Estado. Uma encomenda pública, pouco escrutinada é certo, mas ainda assim criadora de um cluster de excelência entre nós, um património de grande qualidade de projecto. Contudo, está muito enraizado em rotinas e procedimentos locais. Esse património depende, quase inteiramente, de uma forma de agir e de construir locais, muito difícil de exportar seja para onde for, a não ser que se opere uma profunda reconversão das práticas até agora seguidas.

As formas de internacionalização de um negócio são um campo denso e de enorme concorrência e que requer uma crescente agressividade comercial. Estou muito em Doha, no Qatar, onde estão, entre outros, Herzog & de Meuron, Zaha Hadid, Nouvel e OMA, mas também inúmeros ateliês médios alemães, holandeses e escandinavos. Para ter uma presença constante e duradoura nestes países, os ateliês portugueses necessitariam de se concentrar, especializar e ganhar escala. Não tem só a ver com a capacidade de investimento financeiro, mas com a própria experiência acumulada dos vários sócios do gabinete. Há a tentação de entrar numa lógica de competir de forma dispersa em concursos aqui e ali, mas que acaba por não se consubstanciar numa prática de continuidade. Por outro lado, é muito difícil exportar serviços com equipas pequenas, pois exige-se consistência e resposta em tempo útil. Criar plataformas sólidas de exportação de serviços de forma metódica, entre pessoas que se entendam, que tenham uma visão estratégica comum, é um caminho difícil, mas viável. Leva, pelo menos, cinco anos a construir uma estrutura estabilizada. É preciso adquirir um conjunto de rotinas e de procedimentos, e a estrada é longa, desde a análise e identificação de mercados à facturação (e, last but not least, à apetecida transferência bancária). É necessário aprender a vender serviços, perceber o que implicam os mercados mais longínquos e os menos longínquos; assumir que têm de ser os próprios arquitectos a fazer os contactos e a não delegar em intermediários mais ou menos obscuros. Por outro lado, a ideia de competir nos mercados internacionais corporativos pode implicar deixar um legado vivo e assegurar uma continuidade, como a prática de grandes escritórios internacionais demonstra. Essa prática vive muitas vezes para lá dos fundadores, e até se fortalece com o tempo. Não me parece que Norman Foster ainda projecte mas o seu nome vai perdurar, tal como o do ateliê do engenheiro dinamarquês Ove Arup, seu fundador. O ateliê Henning Larsen acaba de ganhar o prémio Mies mas já não é o seu fundador, apesar de vivo, o criador da obra premiada.

Ainda que um pouco menores, criar estruturas deste tipo em Portugal (no mínimo com 30 a 50 colaboradores) parece-me o único caminho com realismo para exportar serviços. Ao contrário dos engenheiros, advogados ou médicos, por todo o lado é expectável pôr os arquitectos a trabalhar gratuitamente. Neste cenário, diria prosaicamente que temos de ter faro para distinguir o que vender e a quem. Os arquitectos anglo-saxónicos, por exemplo, são muitíssimo comedidos até verem a cor do dinheiro.

Os anglo-saxónicos são os grandes criadores do mundo dos serviços. Toda a gente sabe vender ouro, madeira, petróleo ou cereais, mas vender consulting, marketing, design ou legal advisory é vender algo de intangível. É vender papel e megabytes. Os ingleses e americanos têm, de uma maneira geral, uma clareza e uma fluidez nos procedimentos que torna tudo rápido, claro e simples, desde os contratos às fases de projecto. É aqui que o problema da lusofonia me parece pertinente. Regresso à questão geográfica e aos destinos possíveis para vender trabalho de projecto: é evidente que é mais fácil vender serviços para países que estão até sete horas de voo do que vender serviços para a China a dois dias de Lisboa. Por outro lado, precisamos de procurar os mercados que melhor remuneram o projecto. É uma ilusão achar que é mais fácil ou mais interessante vender serviços para países lusófonos por causa da língua. Considero, por exemplo, a aposta no Brasil um erro. O Brasil paga mal e tem uma informalidade excessiva e perigosa. Compreendo que possa ser uma solução para a emigração de jovens arquitectos, mas pensar em abrir um ateliê em São Paulo não faz o mais pequeno sentido. O facto de os clientes falarem português não nos deve dar maior conforto. Aliás, há uma evidente erosão nos honorários pelo próprio excesso de oferta de projectistas portugueses e brasileiros nos mercados africanos. A África do Sul, que faz fronteira com Angola, remunera melhor o projecto porque tem a tradição anglo-saxónica que referi. Nos universos árabes, os contratos em inglês clarificam as relações entre clientes e prestadores de serviços. Há uma tradição de remuneração que os países latinos não possuem. Nestes últimos, há sempre esta ideia de que o arquitecto ou o designer podem fazer um jeitinho, dar umas ideias, etc.

Não me parece, também, solução esperar do Estado e das instituições portuguesas o apoio à internacionalização. Na maior parte dos casos esbarramos com incompetência e ignorância. Idealmente, o nosso escritório seria uma espécie de principado de Andorra no Poço do Bispo. Uma espécie de cápsula autonómica com uma manga de aeroporto directamente ligada ao portão do Promontorio. Oscar Wilde dizia que o único decreto que esperava do governo britânico era o que conseguisse mudar o clima. Acho sinceramente que a nossa expectativa para Portugal é muito semelhante. Claro que se houver apoios para ir a feiras, tanto melhor. Mas tudo o resto é irrelevante, tanto mais que só nós podemos realmente avaliar os mercados que escolhemos. Não há olheiros como no futebol...

Paulo Martins Barata participou no debate Arquitectos em fuga da temporada 1 (31 de maio de 2011), no Lux-Frágil, e no debate de lançamento da temporada 3 (27 de Setembro de 2012).

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