“Muito antes de ser concluída na cidade do Porto, a Casa da Música já tinha sido aprovada pela opinião pública. Ainda antes de se poder comprovar a sua qualidade acabada, já tinha sido construída a sua imagem mediática, a sua iconografia, e, até, o discurso crítico – elegíaco – que era adequado à sua apropriação por parte da audiência dos media generalistas. Claro que esta exposição mediática acarretava os seus riscos e o cálculo de obtenção de mais-valias de uma operação desta natureza podia sair totalmente errado. Foi, aliás, o que aconteceu, em simultâneo à realização de Koolhaas, no caso de Frank Gehry e do seu projecto para o Parque Mayer, em Lisboa.”
Gadanho, P. (2010). Arquitectura em público (p. 134). Porto: Dafne Editora.
“A reprodução mediática vive do reconhecimento dos seus assuntos e grande parte desse reconhecimento advém da identificação dos protagonistas das narrativas e histórias que os media veiculam. […] Os media de massa sobrevivem através da criação e da posterior manutenção desses mecanismos de identificação que se encontram por detrás da celebridade. […] Quando a arquitectura chegou aos media de massa e à mediatização generalista foi inevitável que as suas formas de aproximação à visibilidade pública avançassem dos mecanismos tradicionais e disciplinares – de revelação e consagração da produção da obra – para a construção de narrativas personalizadas fundadas sobre figuras e protagonistas relevantes do campo. […] Como os media de massa necessitam de figuras relevantes, identificáveis, notáveis e propensas à criação de celebridade, o campo arquitectónico adaptou-se-lhe com docilidade”.
Gadanho, P. (2010). Arquitectura em público (pp. 148-149). Porto: Dafne Editora.
“Como é habitual em qualquer campo de produção cultural, houve quase sempre tendência para escamotear a vivência dos conflitos que emergem no interior da disciplina. No entanto, como afirmava Tomás Taveira, este arquitecto não se sentia ‘vitorioso’ por não entender ‘a arte como um combate contra ninguém’. Como revelava em seguida fazia, simplesmente, ‘a arquitectura que me parece melhor, para mim e para os meus clientes, que são na sua totalidade do sector privado’. Porém abraçando finalmente o sector alargado [o autor considera dois subcampos de produção arquitectónica, “o de uma produção restrita de raiz autoral e o de um campo de actuação alargado de conotações claramente comerciais”] remataria que fazia ‘uma arquitectura que tem que se enquadrar na economia de mercado’. (…) Se Taveira representava os reflexos mais extrovertidos da aparição simultânea – e, neste caso, também quase indestrinçável – de dois subcampos distintos e conflituantes, era também ele quem protagonizava, noutros momentos, alguns dos cruzamentos e namoros que se estabeleceram entre os diferentes sectores da produção arquitectónica e a sociedade em geral. (…) No delimitado contexto português, apenas o campo alargado chegou a apresentar várias versões possíveis de si próprio para a mediatização generalista. Dada a projecção mediática incontornável dos seus mais reconhecidos protagonistas – e em função da afirmação mediática da unidade identitária que aqui se retratou – a visibilidade do sector restrito português reduziu progressivamente a sua amplitude estilística, até se tornar em algo extremamente coeso, liso e uniforme. Até as famosas dicotomias, que até ao final dos anos 80 existiam entre Lisboa e Porto, acabaram por se diluir num sector arquitectónico ansioso pelo sucesso simbólico de Álvaro Siza e Souto Moura. […] E a ideia de a crítica não se identificar com a afirmação mediática do sector restrito seria obviamente peregrina. Seria puro suicídio.”
Gadanho, P. (2010). Arquitectura em público (pp. 209-216). Porto: Dafne Editora.
“Os media vivem dos seus próprios ecos e recepções. Os conteúdos que veiculam reproduzem-se à custa de uma reflexão permanente sobre a informação que já circula na esfera pública. Os media são frequentemente vistos a reflectir sobre a sua própria condição e os seus próprios conteúdos.”
Gadanho, P. (2010). Arquitectura em público (p. 237). Porto: Dafne Editora.
“Para Álvaro Domingues [num artigo de jornal publicado a 13 de abril de 2005], ‘a arquitectura enquanto campo disciplinar organizado’ possuía, assim, ‘lugares próprios onde se discutem obras, autores, paradigmas ou falta deles’. Simultaneamente, esta dispunha também de uma arena de aparição enquanto produto social que não podia ‘descolar dessa particular circunstância’. Não sendo nem uma nem outra destas percepções ‘territórios isolados’, o facto de se retirar à arquitectura ‘o espaço autónomo de pensamento e prática’ era ‘entregá-la numa bandeja à circulação e ao consumo das imagens’.”
Gadanho, P. (2010). Arquitectura em público (pp. 270). Porto: Dafne Editora.
“Aquilo que, por exemplo, é hoje mediaticamente visível da produção arquitectónica nacional – e não só nos media generalistas – sugere uma uniformização formal da arquitectura portuguesa. Esta é consequência da reprodução exaustiva de modelos de um subcampo restrito que, na sua representação mediática ao longo dos últimos 15 anos [entre 1990 e 2005], foi sendo progressivamente identificado com o universo total da arquitectura portuguesa. Neste sentido, verificou-se simplesmente um efeito clássico dos media de massa: a uniformização dos seus conteúdos. […] Revelou-se […] incontornável que a consagração mediática gerada em torno de alguns poucos protagonistas contribuiu para que, em 15 anos, a arquitectura portuguesa perdesse parte da sua diversidade. Pelo menos, perdeu parte da diversidade que antes era observável em certos meios especializados, relativamente à imagem do todo que veio a surgir nos media generalistas enquanto representação supostamente fiel da totalidade do campo.”
Gadanho, P. (2010). Arquitectura em público (pp. 290). Porto: Dafne Editora.
“A realização, em 2002, do primeiro congresso da Ordem dos Arquitectos tornou-se, por exemplo, motivo para afirmar em título da Sociedade [uma secção de jornal] que ‘A Arquitectura promove a coesão social’. Procurando desligar-se de visões excessivamente culturalistas da arquitectura, pressentia--se aqui uma outra forma de disseminação do tema arquitectura: o entendimento da produção arquitectónica como um direito estritamente ligado às necessidades sociais do dia-a-dia. Esta forma de disseminação – que acabou por se tornar mais aparente nos media – foi também o corolário explícito de uma actividade de reivindicação política pela então recém-criada Ordem dos Arquitectos. A arquitectura foi estrategicamente associada a temas cívicos como a luta contra a exclusão ou as relações com o meio ambiente e ganhou, deste modo, proeminência em novos sectores sociais e mediáticos. Como se explicita no artigo citado, foi assumido pelos representantes da Ordem presentes no Congresso que ‘a arquitectura está cada vez mais ligada ao quotidiano das pessoas, quer nas cidades, quer na paisagem rural’, e que, afinal, ‘a qualidade arquitectónica’ não tem que se revelar apenas como uma mais-valia cultural, mas como ‘uma necessidade vital’.”
Gadanho, P. (2010). Arquitectura em público (pp. 90-91). Porto: Dafne Editora.